Caranguejos podem desaparecer dos manguezais de Vitória até 2015
A previsão é da engenheira florestal Helena Sarlo, que também afirma que já no ano que vem não haverá mais caranguejos em tamanho comercial
Any Cometti
03/08/2013 15:30 - Atualizado em 05/08/2013 15:34
O caranguejo-uçá de Vitória está diminuindo de tamanho e corre o risco de desaparecer em apenas dois anos. A informação é da engenheira florestal especialista em caranguejos, Helena Sarlo, que também afirma que já no ano que vem, não haverá mais caranguejos em tamanho comercial nos manguezais da Capital. As pesquisas sobre esses animais foram desenvolvidas pela engenheira no ano de 2005 e novamente em 2011, com o oceanógrafo Carlos Valentim.
Fatores como a poluição, os aterros aos mangues e a sobrepesca são agravantes do quadro, que ainda se completa com a diminuição no tamanho das fêmeas – que chegam à maturidade sexual com um casco de três centímetros, portanto com a capacidade de reprodução muito menor do que uma fêmea de oito centímetros – e na duplicação da população desse gênero se comparada aos machos – considerando que, em ambiente equilibrado, a população de indivíduos masculinos deveria ser maior.
Outro problema para a diminuição dessa população foi a doença letárgica do caranguejo, que aconteceu entre o final do ano de 2005 e o começo de 2006, provocando uma queda drástica na população do animal. Nesse momento, não há casos da doença em Vitória.
Além de um perigo para a própria espécie, a extinção do caranguejo provocará um colapso no ecossistema do manguezal, já que esse animal é responsável pela atividade de aeração do solo, que ajuda na fixação das árvores, e na incorporação de matéria orgânica que acaba servindo de alimento para outros animais.
Assim, populações como a de sururu, ostras e peixes também sofrerão impacto. Famílias que vivem da pesca nos manguezais, seja da venda ou do próprio consumo desses animais, ficarão sem sua fonte de renda.
“Socialmente, como é possível dar conta de tantas pessoas?”, questiona a engenheira. É importante lembrar que não só catadores, mas também pescadores, marisqueiros e trabalhadores em geral que lidam com os animais do mangue serão prejudicados pela extinção do caranguejo.
Helena ainda relata que, embora a população tenha diminuído, o número de pessoas que se declaram no ofício de catador tem aumentado.
Entretanto, ela ressalta que nem todos que preenchem essa estatística têm a cata como principal meio de sustento. Dos quase 120 catadores declarados do município de Vitória, 64% tem baixa escolaridade, 84% tem mais de 30 anos de idade e a maioria sobrevive com até dois salários mínimos.
Cadastrados no Bolsa Família, programa do governo federal que só atende famílias classificadas como pobres ou extremamente pobres, somam 26% dessa população. Aqueles que trabalham em empregos não-formais para complementar a renda, os chamados “bicos”, somam o mesmo percentual.
Por todos esses motivos, pode-se dizer que a atividade não garante condições de sobrevivência aos catadores, segundo a socióloga Viviane Medeiros Chaia, que acompanha os trabalhadores.
Viviane aponta que, mais grave ainda, é uma tendência nacional que atinge as famílias que vivem do mangue: os catadores que têm condições dão aos filhos a oportunidade de estudar e trabalhar em outros ofícios, o que provocará o desaparecimento dos pescadores artesanais, que são classificados como comunidades tradicionais (Decreto nº 6.040, de 7 de Fevereiro de 2007).
Guaiamu
A especulação imobiliária, que é a causa dos aterros aos mangues, ameaça o habitat de outra espécie, que é diferente do caranguejo-uçá. Os Guaiamus, que estavam há 10 anos em defeso permanente (com a cata ininterruptamente proibida) e a todo esse tempo não eram vistos pelos manguezais de Vitória, voltaram a ser vistos por Helena. Mas ainda não há pesquisas sobre o caranguejo de coloração azulada.
A população de Guaiamus sofre com a cata desenfreada por parte dos atravessadores e catadores que vêm do Nordeste em busca do animal. Por ser mais resistente ao tempo de transporte e mais fácil para a engorda, essa espécie é preferida pelos que levam os caranguejos ao Nordeste.
Inclusive, há suspeitas de que a contaminação dos manguezais de Vitória pela doença letárgica do caranguejo possa ter sido trazida do Nordeste, onde encontrou-se os primeiros indícios, até a costa capixaba, pelas roupas dos catadores, que não eram trocadas entre os trabalhos nas diferentes regiões. Também há a possibilidade de que o fungo causador da doença tenha sido trazido na água.
Fiscalização
Helena denuncia que faltam profissionais qualificados para detectar, no comércio, os caranguejos que são de Vitória e os que são trazidos vivos de outros estados.
Se caranguejos de outros estados estiverem contaminados com a doença letárgica e forem soltos nos manguezais de Vitória, há o sério risco de haver um novo surto da doença.
Uma instrução normativa de 2010 liberou a comercialização de caranguejos vivos, vindos de outros estados, durante a muda – período em que há defeso para que os caranguejos troquem suas carapaças e que é diferente para o Espírito Santo e para o Nordeste.
“Por causa dessa instrução normativa, no ano passado foi impossível fiscalizar”, relatou Helena. Sem profissionais que saibam diferenciar os animais, não é possível saber se os caranguejos capixabas estão sendo capturados em épocas de defeso e misturados aos caranguejos de outros estados.
A forma correta de comercialização do animal vindo de outros estados na época do defeso, segundo Helena, é até o terceiro dia da muda e somente estando congelado ou pré-cozido.
Prefeitura
A socióloga Viviane lembra que a própria falta de incentivo governamental para a atividade é um fator que faz com que os jovens se afastem da atividade. Os catadores de Vitória só recebem verba da prefeitura na época do defeso.
Segundo ela, além de não oferecer condições melhores de trabalho aos catadores, a prefeitura tem feito vista-grossa aos estudos, que já lhes foram apresentados diversas vezes. A pesquisa realizada por Helena e Carlos não teve nenhum tipo de incentivo público, todas as despesas foram arcadas com capital pessoal.
Recuperação
A solução para o desastre já está traçada e foi validada e aprovada pelo professor Everaldo Queiroz, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e por Sérgio Mattos, que trabalha especificamente com caranguejos no Ministério da Pesca.
Ela consiste na recomposição sistêmica, que é o lançamento de larvas do caranguejo nos manguezais, em pontos que seriam isolados por seis anos, tempo médio para que o caranguejo chegue à idade adulta e, assim, possa seguir o seu ciclo natural.
De alto interesse social e ambiental, a vontade política parece ser o fator predominante para o incentivo dessa recuperação.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), que deveriam prezar pelo meio ambiente e pela sustentabilidade em seus projetos, sequer demonstraram apoio à iniciativa quando esta foi apresentada ao Grupo Gestor do Caranguejo, no qual também atuam a prefeitura e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
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