VARÍOLA
Classificada como uma das enfermidades mais devastadoras da história da humanidade, a varíola foi considerada erradicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1980. No entanto, a doença voltou às manchetes de jornal, em virtude da suposição de que ela possa ser utilizada como arma biológica.
O Orthopoxvirus variolae, microorganismo causador da varíola
Acredita-se que a varíola tenha surgido há mais de três mil anos, provavelmente na Índia ou no Egito. De lá para cá, ela se espalhou pelo mundo, causou inúmeras epidemias, aniquilou populações inteiras (como diversas tribos de índios brasileiros) e mudou o curso da história. Marcas causadas pela doença foram encontradas na face da múmia do faraó Ramsés II. A doença atingiu também personagens importantes da história ocidental, como a rainha Maria II da Inglaterra, o rei Luis I da Espanha, o imperador José I da Áustria e o rei Luis XV da França.
Em algumas culturas antigas, a letalidade da varíola era tamanha entre as crianças que estas só recebiam nomes se sobrevivessem a ela. No decorrer do século XVIII, a doença matava um recém-nascido em cada dez na Suécia e na França, e um em cada sete na Rússia.
Não bastasse o medo da morte, os enfermos ainda tinham que enfrentar a possibilidade de carregar cicatrizes profundas, principalmente no rosto, ou mesmo de perder a visão – no Vietnã de 1898, 95% dos adolescentes carregavam marcas da doença, e nove em cada dez casos de cegueira eram atribuídos às complicações decorrentes da moléstia.
Sintomas e características
O francês Louis Pasteur (1822-1895) foi o primeiro cientista a adimitir que a varíola era causada por microorganismos
A varíola era uma doença infecto-contagiosa, exclusiva do homem (não sendo transmitida por outros animais, como a dengue, por exemplo), de surgimento e desenvolvimento repentinos e causada pelo Orthopoxvírus variolae, um dos maiores vírus conhecidos e que é extremamente resistente aos agentes físicos externos, como, por exemplo, variações de umidade e temperatura. O O. variolae pertence à família Poxviridae, a mesma dos vírus causadores de formas variantes da doença, próprias do gado bovino (a varíola bovina), dos macacos, das galinhas e dos camelos.
A transmissão ocorria de pessoa para pessoa por meio do convívio e geralmente pelas vias respiratórias.
Uma vez dentro do organismo, o vírus da varíola permanecia incubado de sete a 17 dias. A seguir, ele se estabelecia na garganta e nas fossas nasais e causava febre alta, mal-estar, dor de cabeça, dor nas costas e abatimento, esse estado permanecia de dois a cinco dias.
Finalmente, a enfermidade assumia sua forma mais violenta: a febre baixava e começavam a aparecer erupções avermelhadas, que se manifestavam na garganta, boca, rosto e que depois espalhavam-se pelo corpo inteiro. Isso ocorre, porque o O. variolae parasita as células do tecido epitelial para se reproduzir.
Com o tempo, as erupções evoluíam e transformavam-se em pústulas (pequenas bolhas cheias de pus), que provocavam coceira intensa e dor – era nesse estágio que o risco de cegueira era maior, pois, ao tocar o olho, o enfermo podia causar uma inflamação grave.
Até aqui, não existe tratamento efetivo contra a varíola. Quando ela existia, o máximo que se podia fazer era tentar amenizar ao máximo a coceira e a dor causadas pela doença e esperar que o organismo reagisse e vencesse o vírus. A sobrevivência do doente dependia da forma de varíola que ele adquiria, já que a enfermidade se divide em duas formas principais, a varíola major, com 30% de letalidade, e a varíola minor, também conhecida como alastrim, que era mais comum e com menos de 1% de casos fatais (também existiam manifestações mais raras da doença, como a hemorrágica e a maligna).
Com o tempo, as pústulas secavam e transformavam-se em crostas, que desprendiam-se ao final de três ou quatro semanas. Caso o enfermo tivesse adquirido a forma major, essas crostas costumavam deixar cicatrizes permanentes na pele.
Médico inglês descobre a vacina
Médico extrai linfa de bezerro com vírus da varíola bovina para inoculá-la em indivíduos sadios
No dia 14 de maio de 1796, o médico inglês Edward Jenner retirou pequena quantidade de sangue das mãos de uma camponesa e inoculou em um garoto de oito anos, com o tempo, constatou-se que a criança havia se tornado imune à varíola.
Jenner realizou esse experimento após observar que pessoas antes infectadas com vírus da varíola bovina (bem mais branda) nunca manifestavam a varíola humana: estava descoberta a vacina contra a enfermidade. No entanto, Jenner não foi o primeiro a desenvolver um modo de imunização contra a varíola. Muito antes (por volta do ano 1000), a medicina tradicional chinesa já utilizava um método que constava em extrair o pus das vesículas em estágio avançado de um doente e inoculá-lo em jovens fortes e sadios. Normalmente, esses indivíduos adquiriam formas brandas da doença e a seguir tornavam-se imunes a ela. Seja como for, a descoberta de Jenner mudou a história da imunologia – a própria palavra vacina vem do latim vaccinus, de vacca (vaca).
A Revolta da Vacina
Bonde virado em virtude de protestos gerados pela lei que tornava a vacinação contra a varíola obrigatória
Em 1804, a vacina contra a varíola chegou ao Brasil por iniciativa do Barão de Barbacena, que enviou escravos a Lisboa para serem imunizados à maneira jenneriana – os escravos retornaram e a vacinação continuou de braço em braço. Somente em 1887, e graças a Pedro Afonso Franco, na época diretor da Santa Casa de Misericórdia, é que o Brasil começou a produzir definitivamente a vacina em vitelos dentro de laboratórios próprios.
Em 1922, o Instituto Vacinológico fundado pelo próprio Barão Pedro Afonso foi transferido para o Instituto Oswaldo Cruz. Porém, o episódio histórico mais marcante ocorrido no Brasil envolvendo varíola, se deu no ano de 1904, a Revolta da vacina. Indignada com a lei proposta por Oswaldo Cruz que tornava obrigatória a vacinação contra a varíola e estimulada pela imprensa, a população promoveu cenas de vandalismo pela cidade que provocaram estado de sítio e uma insurreição militar que quase derrubou o então presidente Rodrigues Alves.
Cientistas da Fiocruz em laboratório produtor da vacina antivariólica (7 de agosto de 1954)
OMS erradica a doença
Com o tempo, novas técnicas aprimoraram a fabricação da vacina contra a varíola, que passou a conter formas vivas de um vírus chamado vaccinia – de origem misteriosa, pertence à mesma família do O. variolae, porém muito menos agressivo. A vacinação em massa permitiu que o número de casos no mundo em cada ano caísse de 50 milhões, em 1950, para 15 milhões em 1967. Nesse mesmo ano, a OMS lançou um plano intenso para a completa erradicação da doença.
O programa foi um sucesso e em 1977 registrou-se o último caso natural da doença na Somália seguido de outro ocorrido em Londres, em 1978, devido a um acidente de laboratório.
Em 1980, após inúmeras verificações, a OMS finalmente declarou a doença extinta e pediu para que os laboratórios do mundo destruíssem suas amostras de vírus.
Foram atendidos por quase todos, menos pelo laboratório do Centro de Controle de Doenças (CDC) de Atlanta, EUA e pelo Instituto Vector da Rússia, últimas instituições com estoques declarados do O. variolae.
Pablo Ferreira
Fontes
Hermann Schatzmayr, virologista da Fiocruz
Febre amarela: a doença e a vacina, uma história inacabada, livro coordenado por Jaime Benchimol, Editora Fiocruz
Organização Mundial da Saúde
Dicionário de medicina e saúde, Luís Rey, editora Guanabara Koogan
Doenças infecciosas e parasitárias, de Ricardo Veronesi, editora Guanabara
Fonte: www.fiocruz.br