"Querido Pastor" - Por Gregorio Duvivier
Visto na Folha
Por Gregorio Duvivier
Querido pastor,
Aqui quem fala é Jesus. Não costumo
falar assim, diretamente
-mas é que você não tem entendido minhas
indiretas.
Imagino que já tenha ouvido falar em mim -já que se intitula
cristão.
Durante um tempo achei que falasse de outro Jesus
-talvez do DJ
que namorava a Madonna- ou de outro Cristo -
aquele que embrulha prédios
pra presente-
já que nunca recebi um centavo do dinheiro que você
coleta
em meu nome (nem quero receber, muito obrigado).
Às vezes parece
que você não me conhece.
Caso queira me conhecer mais,
saiu
uma biografia bem bacana a meu respeito.
Chama-se Bíblia.
Já está à
venda nas melhores casas do ramo.
Sei que você não gosta muito de ler,
então pode pular todo o Velho Testamento.
Só apareço na segunda
temporada.
Se você ler direitinho vai perceber,
pastor-deputado, que eu sou de esquerda.
Tem uma hora do livro em que
isso fica bastante claro (atenção: SPOILER)
, quando um jovem rico quer
ser meu amigo.
Digo que, para se juntar a mim, ele tem que doar tudo
para os pobres.
"É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha
do que um rico entrar no reino dos céus".
Analisando a sua conta bancária,
percebo que o senhor talvez não esteja familiarizado
com um camelo ou
com o buraco de uma agulha.
Vou esclarecer a metáfora.
Um camelo é 3.000
vezes maior do que o buraco de uma agulha.
Sou mais socialista que
Marx, Engels e Bakunin
-esse bando de esquerda-caviar.
Sou da
esquerda-roots, esquerda-pé-no-chão, esquerda-mujica.
Distribuo pão e
multiplico peixe -só depois é que ensino a pescar.
Se
não quiser ler o livro, não tem problema.
Basta olhar as imagens.
Passei a vida descalço, pastor.
Nunca fiz a barba. Eu abraçava leproso.
E
na época não existia álcool gel.
Fui crucificado com ladrões e disse,
com todas as letras
(Mateus, Lucas, todos estão de prova),
que eles
também iriam para o paraíso.
Você acha mesmo que eu seria a favor da
redução da maioridade penal?
Soube que vocês estão me esperando
voltar à terra.
Más notícias,
pastor. Já voltei algumas vezes.
Vocês é
que não perceberam.
Na Idade Média, voltei prostituta e cristãos me
queimaram.
Depois voltei negro e fui escravizado -os mesmos cristãos
afirmavam que eu não tinha alma.
Recentemente voltei transexual e morri
espancado.
Peço, por favor, que preste mais atenção à sua volta.
Uma
dica: olha para baixo.
Agora mesmo,
devo estar apanhando -de gente que
segue o senhor.
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